Caracterização do Programa

A capacidade de antecipação, a visão de futuro, e a vinculação das ações às demandas identificadas diferenciam as organizações voltadas para a sociedade e as outras, que por permanecerem isoladas, são mais vulneráveis. Um pouco antes do século passado se encerrar, em 1999, grupos de pesquisadores começaram a se reunir nos Estados Unidos para estudar de modo interdisciplinar as interações entre os sistemas vivo e artificial com o objetivo declarado de desenhar dispositivos que permitissem expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas, a saúde e a capacidade física do homem e, assim, produzir, em tese, um maior bem social. Esses estudos deram origem ao que foi batizado de tecnologias convergentes, pesquisadas hoje em profundidade na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e no Japão. As tecnologias convergentes são a união de quatro áreas da ciência e tecnologia e, em comum, elas têm o fato de serem recentes e importantes para a economia e desenvolvimento da sociedade em geral. A proposta é que caminhem entrelaçadas para contribuir com o aprimoramento do ser humano. São elas a nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação (TI) e neurociência (ou ciências cognitivas). No Brasil, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização social vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, reconheceu a importância destas áreas no âmbito dos interesses nacionais.

De fato, diversos são os setores de atividade em que o domínio sobre os conhecimentos ligados à neurociência e cognição será altamente estratégico. A neuroeconomia, por exemplo, é o estudo de como a mente interage com o ambiente externo para gerar comportamento econômico. A investigação neste campo proporcionará uma melhor compreensão do processo de tomada de decisão dos indivíduos para prever o comportamento ligado às atividades econômicas. A ergonomia cognitiva é a disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre o ser humano e outros elementos de um sistema, fornecendo subsídios teóricos para facilitar esta interação. Os ergonomistas cognitivos contribuem para o projeto e avaliação de tarefas, trabalhos, produtos, ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas. Neuromarketing é um campo novo da neurociência, onde se estuda as bases neurobiológicas do comportamento do consumidor. Em termos gerais esta área é considerada uma chave para o entendimento da lógica de consumo, pois identifica os desejos, impulsos e motivações das pessoas através do estudo das reações neurofisiológicas frente a determinados estímulos externos. Também é crescente e estratégico o aprofundamento dos conhecimentos em neuroeducação, um campo interdisciplinar que combina a neurociência, psicologia e educação para criar melhores métodos de ensino e currículos. Esta área tem incorporado os avanços recentes nos estudos sobre a memória, linguagem e outros temas da neurociência cognitiva para elaborar melhores estratégias de ensino e aprendizagem. Com o aumento exponencial da oferta de informações, os docentes querem e precisam saber como seus alunos assimilam os conteúdos ministrados. Os neurocientistas, por outro lado, querem saber como essas indagações dos professores podem sugerir novas pesquisas em neurociência. Outra linha de abordagem em neuroeducação é compreender como os distúrbios mentais e cognitivos podem alterar o aprendizado dos alunos e como os professores podem colaborar com outros profissionais para ajudar a identificar problemas em sala de aula, de modo a facilitar a inclusão social dos alunos afetados.

Além de sintonizada com novas demandas identificadas no Brasil, a pesquisa científica na área de cognição e neurociência acompanha e fomenta tendências de inovação observadas em nível global. O desenvolvimento tecnológico recente tem permitido avanços no entendimento sobre a operacionalidade do cérebro, possibilitando o estudo sistêmico das funções mentais. Observando e interferindo nos diferentes níveis hierárquicos, do molecular ao comportamental, a neurociência de sistemas aborda a interação dinâmica entre estes níveis de organização do sistema nervoso. Assim, a análise detalhada das funções neurais, desde micro domínios de um único neurônio, com a utilização de marcadores de voltagem e íons por microscopia confocal, até a atividade mental em humanos, por meio de técnicas de imageamento cerebral, tem propiciado a substituição de paradigmas, obviamente mais adequados ao seu contexto histórico. Por outro lado, o estudo de doenças neurodegenerativas, presentes em uma população com uma perspectiva de vida mais longa, como Parkinson e Alzheimer, tem recebido enorme contribuição pela associação de áreas como a biologia molecular, neuropsicologia e bioengenharia. A abordagem destes temas por meio de métodos avançados gera resultados e modelos cuja análise formal necessita de técnicas originadas nas áreas de estatística, matemática, computação, física e engenharia. Por estes motivos, a abordagem interdisciplinar da cognição, mais do que um ideal a ser atingido, é uma necessidade no mundo contemporâneo.

A ideia de que a cognição é área estratégica do conhecimento esteve presente desde a formulação do projeto pedagógico da UFABC. A criação do curso de pós-graduação em “Neurociência e Cognição” está intimamente ligada à existência da área de cognição dentro do CMCC, Centro de Matemática, Computação e Cognição. No entanto, por ser o estudo da cognição um tema essencialmente interdisciplinar e com muitas aplicações, o projeto pedagógico da UFABC previu  a criação do Núcleo Interdisciplinar de Neurociência Aplicada (NINA), que é uma unidade temática vinculada à reitoria da UFABC, formado por docentes dos três centros da universidade.

 

O programa de Pós-Graduação em Neurociência e Cognição da UFABC tem por objetivo a formação de pessoal qualificado técnica e cientificamente para o exercício das atividades profissionais, de ensino, pesquisa e produção. O programa é proposto na modalidade stricto sensu, com cursos em nível de mestrado acadêmico e doutorado. O curso de mestrado acadêmico terá a duração máxima de dois anos, no qual se espera que o aluno curse as disciplinas coerentes à linha de pesquisa escolhida, desenvolva e defenda uma dissertação. O curso de doutorado terá a duração máxima de quatro anos, no qual se espera realização de pesquisa científica para a elaboração da tese e cumprimento de disciplinas. Em ambos os casos, tanto no mestrado acadêmico quanto no doutorado, o pós-graduando será incentivado a ter um co-orientador, preferencialmente de área distinta do orientador. Identificamos pelo menos duas vantagens com esta medida: i) ampliar o horizonte científico do estudante em formação; ii) elevar o critério de avaliação e o nível da pesquisa realizada no programa. Idealmente, os pós-graduandos serão agentes que aumentarão os laços entre os nós de um programa que se pretenderá interdisciplinar. Para isso, o programa exigirá um número pequeno de créditos em disciplinas obrigatórias, para ao mesmo tempo, preservar a liberdade de opção individual e formar uma base sólida e comum aos pós-graduandos. Como será detalhado ao longo desta proposta, a matriz curricular do curso é formada por disciplinas que, particularmente e em conjunto, tem caráter interdisciplinar, sendo que sua meta é promover a formação de profissionais qualificados, com capacidade da integração de conhecimento em projetos inovadores. Coerente com esta proposta, os pós-graduandos poderão e serão incentivados a cumprir créditos cursando disciplinas oferecidas por outros programas de pós-graduação, dentro e fora da UFABC.

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