Arquivo da categoria: Blog GELC

Como a música pode influenciar na aquisição e aprendizagem da linguagem?

Linguagem é música!

 

Autores: 
Cássia Ananda Passarelli de Lima
Thiago Henrique Martins Marchesan

Linguagem verbal é um tipo especial de música. Essa é a hipótese central do artigo Music and early language acquisition (em tradução livre A música e a aquisição precoce da linguagem)¹, que argumenta que desenvolvemos nossa capacidade de compreender e produzir fala a partir de uma inteligência musical inata. Portanto, primeiro aprenderíamos a música das falas, em seus padrões fonológicos e rítmicos e, com o tempo, seríamos capazes de ligá-los aos seus significados e entender como se relacionam entre si na linguagem verbal.

Antes de continuar, é preciso definir linguagem, que de maneira sucinta pode ser entendida como um sistema de codificação e decodificação de informações, sendo uma de suas características mais marcantes a generatividade, ou seja, a capacidade de combinar de maneira ilimitada um número finito de sinais convencionados. Por exemplo, podemos criar infinitas palavras a partir de uma quantidade limitada de fonemas e, por meio de combinações lexicais, inúmeras sentenças e discursos. E assim também ocorre com a música, na qual através de doze notas, considerando timbre, ritmo e andamento, podemos executar escalas e compor canções infinitamente.

Levando em conta a definição acima, é possível afirmar que a fala e a música são dois tipos de linguagem, verbal e musical, respectivamente. Já para dizer que a fala é um tipo de música, não basta traçar semelhanças entre linguagens musical e verbal, mas encontrar indícios suficientes para sugerir que a fala parte da música e que ambas caminham sempre lado a lado.

De fato, a língua falada é introduzida ao bebê como uma habilidade vocal inseparável do canto e ele presta mais atenção justamente nas características musicais do que é dito. Sem a capacidade de ouvir musicalmente, seria impossível aprender a falar em outras palavras a música e linguagem verbal são entendidas como exatamente a mesma coisa nos primeiros anos de vida.

A fala tem função referencial. Ela possui significados relativos à realidade exterior, por exemplo, a palavra “Cadeira” nomeia determinado objeto por convenção social. Por sua vez, os sons da fala são sons musicais, é possível identificar notas na pronúncia de sílabas, além de contorno melódico e andamento na prosódia² de uma frase. As propriedades acústicas musicais das mensagens que esse sons transportam somos capazes de identificar ainda bebês. Ademais, os estudos com neuroimagem mostram sobreposições na ativação das áreas encefálicas envolvidas nas funções verbais e musicais conservadas em indivíduos adultos³.

music-2570451_960_720Mas como incorporaríamos todo o funcionamento de nossa língua materna a partir de suas características musicais? A resposta pode estar na aprendizagem estatística4, um mecanismo geral adaptativo capaz de absorver padrões ambientais linguísticos, fazendo com que o indivíduo seja capaz de, por exemplo, dizer que depois da palavra “Vaso” existe uma probabilidade maior de vir em seguida “Sanitário” do que “Nuclear”. Relaciona-se também às expectativas musicais, e por isso é mais fácil esperarmos depois de um Dó e de um Ré, um Mi do que um Si.

Porém, de que forma a música ou canções poderiam de fato aumentar o desenvolvimento da aprendizagem de uma língua, seja na fase de aquisição, em bebês, seja na aquisição tardia de uma segunda ou terceira língua? O artigo “Song as an aid for language acquisition (em tradução livre O som como uma ferramenta para a linguagem)4 procura esclarecer essa pergunta com base em três fatores:

  • A música prende a atenção para o que está sendo dito, como por exemplo, na maioria das vezes é mais fácil gravar a letra de uma música do que as falas de um monólogo, ou mesmo um filme
  • A música melhora a capacidade de aprendizagem estatística citada acima, que não se limita apenas as palavras inteiras, mas também as sílabas ou fonemas (sons que exprimem significado em certa linguagem). Por isso, ao assistir um programa na TV em uma língua não aprendida, o que é falado parece um monte de palavras enormes, quase sem fim e sem sentido algum. Mas após estudarmos aquela língua, forma-se uma base para a aprendizagem estatística e a passamos a entender mais palavras em uma frase e formar significado a partir do nosso entendimento.
  • A música junto da fala torna as informações redundantes, isto é, a informação passa a ser percebida tanto pelo fator musical quanto pelo fator fonético. E como quando você repete a palavra, é mais fácil de entendê-la e lembrá-la, a música faz o papel dessa repetição.  Como acontece nos filmes, a música torna-se também um reforçador de emoções, e sem a música seria muito mais difícil transmitir a sensação desejada para o telespectador.

Por fim, a ideia da fala como um tipo musical encontra sustentação evolutiva:man-1595372_960_720 a linguagem é moldada pela capacidade das crianças aprenderem-na, pois se adapta de geração em geração, e quando nascemos, ouvir a linguagem é, fundamentalmente, um ato musical. Desta forma, a música, então, está presente em todas as culturas, porque a linguagem é transmitida às crianças através da fala e, junto com as pistas de expressões faciais e gesticulações, as características musicais da linguagem compõem um contexto rico para o surgimento do comportamento verbal.

 

 

Para saber um pouco mais sobre o assunto, acesse:

http://musicaplena.com/a-influencia-da-musica-no-desenvolvimento-da-crianca/

http://paraisomodabebe.com.br/blog/desenvolvimento-da-fala-atraves-da-musica-e-da-literatura/

Artigo original:

http://journal.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2012.00327/full

É possível aprendermos qualquer língua estrangeira sem sotaque… Por quê?

Por Alexandre Olivieri – Aluno do Bacharelado em Ciência & Tecnologia – UFABC

Você acha que consegue ouvir todos os sons da fala de um chinês?

Assista os primeiros 55 segundos do vídeo a seguir:

E ai? Você conseguiu distinguir todos os sons? (zh, ch, sh, r)

Provavelmente a resposta é não!!!

Porém quando você era um bebê é certeza que ouviria!! Segundo estudos realizados pela equipe internacional de Patricia Kuhl da Universidade de Washington, crianças bem pequenas ainda não atingiram o que é a tendência natural de ficar “insensível” aos sons exclusivos de outra língua, que não a materna. Mas como nós aprendemos uma língua e o que isso tem de especial com o chinês? Hoje a teoria mais aceita para responder a essa questão é que já nascemos com essas ferramentas. Nosso cérebro desde criança é capaz de perceber os sons mínimos que mudam o significado das palavras, os fonemas, sem fazer distinção nenhuma a qual língua ele pertence, seja inglês, português ou chinês. No entanto, essa super audição dos bebês se perde progressivamente com o tempo, e segundo 1132978706-12132especialistas, o período em que isso se inicia é aproximadamente entre o sexto até o décimo segundo mês de vida, o mesmo em que a criança consegue memorizar mais e mais sons, após esse período a perda se acentua, sendo que aos sete anos de idade há uma intensificação ainda maior da perda da capacidade de aprender fonemas novos de outras línguas .

Isso quer dizer que ao nascer, a criança é capaz de perceber, aprender e reproduzir qualquer fonema, mas ao ser exposta a determinados conjuntos fonéticos, passará a reconhecer apenas os que lhe forem familiares e acabam perdendo também a capacidade articulatória de emitir esses determinados sons. Isso explica, por exemplo, porque, ao aprendermos uma língua estrangeira depois de adultos, é mais difícil produzirmos alguns sons que não pertencem ao sistema fonético de nossa língua materna.

E como os cientistas conseguiram saber dessa capacidade elástica do cérebro infantil é uma técnica a parte. A equipe treinou os bebês a escutarem o mesmo fonema repetidas vezes e, repentinamente, tocavam outro, muito diferente do sistema fonético habitual, ao mesmo tempo que mostravam para criança um brinquedo atraente. Com um pouco de prática, a criança passa a virar a cabeça para ver o brinquedo toda vez que ela perceber o som diferente, assim possibilitando contar e observar a reação do bebê.

file5981249389157Para o teste, os linguistas usaram dois fonemas extremamente parecidos, o som áfono alvéolo-palatal africado e o áfono alvéolo-palatal fricativo, no link você pode escutar ambos  (tente sentir a diferença entre os dois sem ver a tela, irá perceber como os bebês são bons nisso!)

O aspecto mais surpreendente desse estudo é por quanto tempo as crianças conseguiram guardar a diferença mínima entre os sons, algumas delas foram testadas até quinze dias depois de apenas cinco horas de brincadeiras com falantes nativos de mandarim. Além disso, num teste paralelo, a mesma equipe constatou que isso só acontecia caso as crianças aprendessem com uma pessoa. Quando escutavam as mesmas histórias infantis por um programa de TV ou apenas o áudio elas não viravam a cabeça quando escutavam o fonema diferente. Por causa desse estudo, hoje se pesquisam maneiras de tornar mais eficiente o ensino de línguas tanto para adultos quanto para os mais jovens.

A seguir você pode ver um TED Talk da Pesquisadora Patricia Kuhl sobre o tema:

https://www.ted.com/talks/patricia_kuhl_the_linguistic_genius_of_babies


Referência

Kuhl, P. K. et al. “Foreign-language experience in infancy: Efects of short-term exposure and social interaction on phonetic learning”, p. 9096-9101, PNAS v.100, 2003.