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Malabarismo Mental

Malabarismo Mental: quando a multitarefa prejudica a compreensão  textual?

Autora: Cindy Evellyn de Araujo Silva

É muito comum os estudantes lerem textos acadêmicos e simultaneamente ouvirem música, verem vídeos, acessar redes sociais, ou seja, fazer um monte de outras coisas enquanto estão estudando. Mas até que ponto fazer qualquer outra atividade enquanto lemos pode atrapalhar a nossa compreensão textual?

Um estudo recente da Universidade da Albânia, Kit W. Cho, Jeanette Altarriba e Maximillian Popiel avaliou se interromper uma leitura para fazer outra tarefa que também demanda concentração atrapalha no entendimento do texto.

Para isso, foram selecionados 36 participantes, todos falantes de inglês nativos. A tarefa desempenha era ler três passagens em três condições: (1) controle (sem segunda tarefa); (2) respondendo questões simples; (3) resolvendo problemas de matemática. As pessoas responderam trinta perguntas simples sobre curiosidades e resolveram sessenta problemas de matemática, logo após a leitura de cada parágrafo do texto

Para cada passagem de texto a ser lida foram criadas dezesseis perguntas: 8 perguntas conceituais, que necessitam de inferências, e 8 factuais, que necessitam somente da memória direta do texto.  As perguntas eram respondidas depois de que cada participante lesse a passagem principal. Cada participante foi avisado no começo da prova que teria que responder perguntas sobre cada passagem e qual era a natureza das perguntas.

Os participantes acertaram 38% das perguntas sobre curiosidades e 82% dos problemas matemáticos. Das questões de compreensão acertaram mais factuais (61%) que conceituais (55%).  Porém, não houve nenhuma diferença significativa com relação a condição controle (sem tarefas concomitantes) e nem nos acertos ou no tempo de leitura.

Frente a esse resultado, os pesquisadores realizaram um segundo estudo com tarefa diferente. Nesta tarefa, foi pedido aos participantes que decorassem uma sequencia de números e evocarem ela depois de lerem alguns parágrafos. A dificuldade desta tarefa difere dos outros experimentos pois os participantes têm que guardar uma informação na sua cabeça enquanto leem (e tentam entender) as passagens.

Os participantes eram exigidos a lembrar de dois tipos de sequências numéricas: de dois dígitos ou de cinco dígitos, impondo-se uma dificuldade baixa e alta, respectivamente. As mesmas passagens e questões de compreensão foram utilizadas, porém o teste foi feito com outros 30 participantes, com as mesmas características do experimento anterior. Foram mantidas três condições: (1) controle, (2) baixa carga cognitiva- sequências de 2 dígitos (3) alta carga cognitiva-sequência de 5 dígitos.

Desta vez, os participantes acertaram mais a sequência de dois dígitos (baixa carga cognitiva), com 85% de acertos, do que as sequências de cinco dígitos (alta carga cognitiva) 58%. Além disso, as questões conceituais e factuais quase não tiveram diferença entre si, com 53% e 56% de acerto, respectivamente. Os participantes demoraram mais tempo para ler passagens com as tarefas de alta dificuldade. E na situação controle houve mais acertos de questões (61%).

Podemos concluir que, quando a segunda tarefa demanda um alto esforço cognitivo, há um custo para a compreensão textual. Especificamente, o acerto na condição (1) que não tinha tarefa associada foi maior do que na (3) que tinha uma tarefa de maior complexidade. Além disso, os participantes demoraram mais para ler o texto na tarefa em que a dificuldade era alta. Além disso, diferentemente do experimento 1, no experimento 2, os participantes não acertaram mais questões factuais que conceituais.

O estudo aqui relatado foi feito com estudantes de, no mínimo, 18 anos de idade, uma geração que cresceu em um mundo em que há muita exposição de informação e vários estímulos simultâneos desde a infância. Seria esse fator, o constante contato com situações multitarefa no dia-a-dia ter, e costume de lidar com várias tarefas ao mesmo tempo, intercalando entre elas, responsável pelo resultado do estudo? Como seria o resultado se os participantes fossem pessoas idosas? Ainda não temos resultados conclusivos nesse tema, mas vale a pena pensar que a leitura deve ser um momento de paz e reflexão, longe de agito e do malabarismo mental de multitarefas.

Referências Bibliográficas
CHO, Kit W. et al. Mental Juggling: When Does Multitasking Impair
Reading Comprehension?. The Journal of Genaral Psychocology, 2015, 142(2),
páginas 90-115.

Edição e publicação: Edgard Neves

Exemplos de Jogos:

Multitarefa

Multitarefa2

Sugestão de vídeos:

Como a música pode influenciar na aquisição e aprendizagem da linguagem?

Linguagem é música!

 

Autores: 
Cássia Ananda Passarelli de Lima
Thiago Henrique Martins Marchesan

Linguagem verbal é um tipo especial de música. Essa é a hipótese central do artigo Music and early language acquisition (em tradução livre A música e a aquisição precoce da linguagem)¹, que argumenta que desenvolvemos nossa capacidade de compreender e produzir fala a partir de uma inteligência musical inata. Portanto, primeiro aprenderíamos a música das falas, em seus padrões fonológicos e rítmicos e, com o tempo, seríamos capazes de ligá-los aos seus significados e entender como se relacionam entre si na linguagem verbal.

Antes de continuar, é preciso definir linguagem, que de maneira sucinta pode ser entendida como um sistema de codificação e decodificação de informações, sendo uma de suas características mais marcantes a generatividade, ou seja, a capacidade de combinar de maneira ilimitada um número finito de sinais convencionados. Por exemplo, podemos criar infinitas palavras a partir de uma quantidade limitada de fonemas e, por meio de combinações lexicais, inúmeras sentenças e discursos. E assim também ocorre com a música, na qual através de doze notas, considerando timbre, ritmo e andamento, podemos executar escalas e compor canções infinitamente.

Levando em conta a definição acima, é possível afirmar que a fala e a música são dois tipos de linguagem, verbal e musical, respectivamente. Já para dizer que a fala é um tipo de música, não basta traçar semelhanças entre linguagens musical e verbal, mas encontrar indícios suficientes para sugerir que a fala parte da música e que ambas caminham sempre lado a lado.

De fato, a língua falada é introduzida ao bebê como uma habilidade vocal inseparável do canto e ele presta mais atenção justamente nas características musicais do que é dito. Sem a capacidade de ouvir musicalmente, seria impossível aprender a falar em outras palavras a música e linguagem verbal são entendidas como exatamente a mesma coisa nos primeiros anos de vida.

A fala tem função referencial. Ela possui significados relativos à realidade exterior, por exemplo, a palavra “Cadeira” nomeia determinado objeto por convenção social. Por sua vez, os sons da fala são sons musicais, é possível identificar notas na pronúncia de sílabas, além de contorno melódico e andamento na prosódia² de uma frase. As propriedades acústicas musicais das mensagens que esse sons transportam somos capazes de identificar ainda bebês. Ademais, os estudos com neuroimagem mostram sobreposições na ativação das áreas encefálicas envolvidas nas funções verbais e musicais conservadas em indivíduos adultos³.

music-2570451_960_720Mas como incorporaríamos todo o funcionamento de nossa língua materna a partir de suas características musicais? A resposta pode estar na aprendizagem estatística4, um mecanismo geral adaptativo capaz de absorver padrões ambientais linguísticos, fazendo com que o indivíduo seja capaz de, por exemplo, dizer que depois da palavra “Vaso” existe uma probabilidade maior de vir em seguida “Sanitário” do que “Nuclear”. Relaciona-se também às expectativas musicais, e por isso é mais fácil esperarmos depois de um Dó e de um Ré, um Mi do que um Si.

Porém, de que forma a música ou canções poderiam de fato aumentar o desenvolvimento da aprendizagem de uma língua, seja na fase de aquisição, em bebês, seja na aquisição tardia de uma segunda ou terceira língua? O artigo “Song as an aid for language acquisition (em tradução livre O som como uma ferramenta para a linguagem)4 procura esclarecer essa pergunta com base em três fatores:

  • A música prende a atenção para o que está sendo dito, como por exemplo, na maioria das vezes é mais fácil gravar a letra de uma música do que as falas de um monólogo, ou mesmo um filme
  • A música melhora a capacidade de aprendizagem estatística citada acima, que não se limita apenas as palavras inteiras, mas também as sílabas ou fonemas (sons que exprimem significado em certa linguagem). Por isso, ao assistir um programa na TV em uma língua não aprendida, o que é falado parece um monte de palavras enormes, quase sem fim e sem sentido algum. Mas após estudarmos aquela língua, forma-se uma base para a aprendizagem estatística e a passamos a entender mais palavras em uma frase e formar significado a partir do nosso entendimento.
  • A música junto da fala torna as informações redundantes, isto é, a informação passa a ser percebida tanto pelo fator musical quanto pelo fator fonético. E como quando você repete a palavra, é mais fácil de entendê-la e lembrá-la, a música faz o papel dessa repetição.  Como acontece nos filmes, a música torna-se também um reforçador de emoções, e sem a música seria muito mais difícil transmitir a sensação desejada para o telespectador.

Por fim, a ideia da fala como um tipo musical encontra sustentação evolutiva:man-1595372_960_720 a linguagem é moldada pela capacidade das crianças aprenderem-na, pois se adapta de geração em geração, e quando nascemos, ouvir a linguagem é, fundamentalmente, um ato musical. Desta forma, a música, então, está presente em todas as culturas, porque a linguagem é transmitida às crianças através da fala e, junto com as pistas de expressões faciais e gesticulações, as características musicais da linguagem compõem um contexto rico para o surgimento do comportamento verbal.

 

 

Para saber um pouco mais sobre o assunto, acesse:

http://musicaplena.com/a-influencia-da-musica-no-desenvolvimento-da-crianca/

http://paraisomodabebe.com.br/blog/desenvolvimento-da-fala-atraves-da-musica-e-da-literatura/

Artigo original:

http://journal.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2012.00327/full