O XVídeos pode causar… dependência??

Por Cristiane dos Santos Costa – Graduação em Ciência e Tecnologia – UFABC

“É isso mesmo que eu li?” – você deve estar se perguntando agora. E eu respondo: sim! É isso mesmo que você leu. O XVídeos, o RedTube, até aqueles sites podrecos de vídeos caseiros e banco de imagens pornográficas podem causar dependência.

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Por mais estranho que pareça, quando paramos para pensar no assunto logo percebemos que não é tão absurdo assim. O erotismo é algo natural no universo humano, por isso tanto homens quanto mulheres buscam estímulos sexuais de diversas formas e uma delas é a pornografia virtual. O que poucos sabem é que o consumo desenfreado de material pornográfico na internet pode viciar – sim, literalmente viciar – e ocasiona até mesmo alterações anatômicas no cérebro! Assustador, não é? A boa notícia é que existe cura e os riscos nem se comparam com vícios mais graves, como os relacionados a álcool ou drogas.

Mas para entendermos melhor essa história, precisamos saber mais sobre vícios e sobre o funcionamento do cérebro, especialmente os mecanismos de prazer, recompensa e emoções.

Desenvolvimento de um vício

Os vícios se desenvolvem em uma área do cérebro chamada de circuito da recompensa, também associado a laços sexuais e emocionais que os seres humanos são capazes de estabelecer. Você já deve ter ouvido falar em neurotransmissores e em como eles participam do funcionamento do cérebro. Um desses neurotransmissores é a dopamina, que é responsável pela sensação de prazer e possui relação direta com o desenvolvimento de vícios. A grosso modo, a coisa funciona mais ou menos assim: você descobre algo que te proporciona prazer – por exemplo comer chocolate – e sempre que se sente mal, com ansiedade ou triste, come um chocolatinho, inunda o cérebro com dopamina e fica bem. Ao perceber que essa estratégia funciona, você passa a repetir este procedimento com frequência, mas precisa de cada vez mais chocolate para obter a mesma sensação agradável. Depois de algum tempo, você nota efeitos negativos da ingestão de tanto chocolate: aumento de peso, dores de estômago, acne, etc. Mesmo assim, continua consumindo chocolate como se não houvesse amanhã. Você quer muito parar, mas não consegue. É desesperador!! Pronto, você se tornou dependente de chocolate.

O exemplo parece bobo, mas ilustra bem o que acontece durante o desenvolvimento de um vício. Independentemente do objeto de prazer, os mecanismos são os mesmos e os efeitos no cérebro são extremamente parecidos com aqueles relacionados à dependência de drogas.

E você também pode estar se perguntando “Mas e as pessoas que experimentam diversas drogas e não se viciam?” Existem algumas teorias para explicar tal fenômeno… Primeiramente, vale ressaltar que substâncias diferentes agem de formas diferentes no organismo, então o exemplo do chocolate pode se aplicar a algumas, mas não a todas; da mesma forma, pessoas diferentes possuem reações diferentes, ainda que sujeitas às mesma substâncias aditivas. Essa individualidade das pessoas está relacionada, como é de se esperar, a hábitos e à genética de cada um. O cérebro é “dividido” em diferentes regiões e funciona à base de neurotransmissores. Deste modo, uma diferença no número de neurônios na área onde fica o circuito de recompensa, por exemplo, pode impedir ou contribuir para que uma pessoa torne-se dependente de determinada droga. E existem outros fatores, como a produção de hormônios do estresse, que por sua vez influenciam no comportamento do indivíduo. É de se esperar que uma pessoa estressada esteja mais propensa ao consumo de álcool e drogas do que uma pessoa tranquila e feliz, já que o uso de tais substâncias pode trazer certo alívio.

Na verdade, essa questão ainda é bastante obscura para a neurociência e existem diversos estudos na área. Ao final desta publicação é possível encontrar fontes com mais informações a respeito.

Bem, dito isso, voltemos à pornografia.

 

Como e por que pornografia virtual vicia?

Para seguir com o assunto, recomendo que você assista a esta entrevista com Gary Wilson, professor de fisiologia e patologia e criador do site YourBrainOnPorn (http://yourbrainonporn.com/):

Segundo Gary Wilson, o vício em pornografia é caracterizado pelo “uso continuado que traz consequências negativas.” Ele também explica que o risco de dependência está mais associado à pornografia de banda larga à qual os adolescentes têm acesso, pois ela disponibiliza enorme quantidade e variedade de estímulos em alta definição e alta velocidade: “[Esses adolescentes] treinaram seus cérebros na internet de banda larga. Eles não precisam sentar e esperar dez minutos para baixar uma foto.”

O circuito de recompensa não sabe distinguir o que é pornografia, apenas distingue níveis de estímulo. O cérebro viciado necessita de níveis de estímulos cada vez mais altos para obter o mesmo efeito, e é justamente isso que causa problemas. O usuário começa com pornografia “normal” e com o passar do tempo e intensificação do uso acaba procurando alternativas mais radicais, às vezes assustadoras.

O que vicia o cérebro em pornografia virtual é a “novidade”. Aqui, a palavra se refere à enorme variedade de “parceiras em potencial” que o usuário encontra na internet (por isso os mais atingidos pelo vício são homens heterossexuais: eles constituem um público-alvo mais abundante). O gráfico abaixo explica isso melhor:

(Adaptado de: http://yourbrainonporn.com/doing-what-you-evolved-to-do)

(Adaptado de: http://yourbrainonporn.com/doing-what-you-evolved-to-do)

Ao colocar um rato macho numa gaiola com uma fêmea receptiva, obviamente observamos uma cópula um tanto entusiasmada. Após algum tempo, o macho aos poucos vai perdendo o interesse naquela fêmea. Se uma nova ratinha é apresentada ao garanhão, ele logo se anima novamente e volta à ativa. Repita esse processo com várias ratas diferentes e o resultado será o mesmo – pelo menos até que o rato fique esgotado. Essa resposta é natural e acontece também com seres humanos (tanto homens quanto mulheres). O que o gráfico mostra é o tempo que o macho demora para ejacular com a primeira fêmea diversas vezes em comparação com diferentes fêmeas apenas uma vez.

Evolutivamente falando, o cérebro animal foi treinado para buscar e manter tudo aquilo que favorece a continuidade da espécie, isto é, comer, fazer sexo, amar, etc. Essas coisas promovem a produção de dopamina, que proporciona prazer, que nos faz querer sempre mais, e assim por diante. O problema é que nos dias de hoje os estímulos sexuais são abundantes – afinal, basta um clique para acessar uma nova imagem ou vídeo – e o cérebro não entende isso. Assim, o usuário busca cada vez mais estímulos e logo começa a sofrer as consequências indesejadas.

 

Consequências

Os indivíduos viciados em pornografia, assim como aqueles que possuem qualquer tipo de dependência, apresentam transtornos de comportamento como depressão, ansiedade e dificuldade de concentração. Suas vidas basicamente se resumem a sustentar o vício, portanto é de se esperar que se isolem socialmente e sintam-se incapazes de desenvolver outras atividades como estudar ou trabalhar.

Há, ainda, mudanças morfológicas no cérebro. De acordo com um estudo alemão publicado na revista JAMA Psychiatry, o elevado consumo de pornografia a longo prazo está relacionado a uma redução da massa cinzenta em seções do circuito da recompensa envolvidas na tomada de decisões e motivação. Isso significa que há menos conexões nervosas e como consequência a resposta ao prazer proporcionado pelas imagens pornográficas é anestesiada. Além disso, o córtex pré-frontal, região relacionada à impulsividade, também sofre mudanças e o poder de decisão da pessoa é prejudicado. Por essa razão indivíduos com qualquer tipo de dependência mantêm o mau hábito apesar das consequências negativas.

Mas os problemas não param por aí. Diversos estudos demonstram que pessoas viciadas em pornografia virtual têm seus relacionamentos interpessoais prejudicados porque não sentem interesse por parceiros reais. E no caso dos homens, a disfunção erétil é uma consequência muito comum.

Abaixo encontra-se uma lista de sintomas comuns:

  • Preocupação com escalada para pornografia mais extrema;
  • Ejaculação tardia;
  • Perda de libido;
  • Consegue ereção com pornografia, mas não com parceiras(os) reais;
  • Masturbação frequente;
  • Ansiedade social ou perda de confiança;
  • Aumento da dificuldade de ereção, mesmo com pornografia pesada;
  • Procura por materiais pornográficos que não correspondem à orientação sexual;
  • Incapacidade de se concentrar;
  • Depressão, ansiedade;

Se você (homem ou mulher, hétero ou homossexual) utiliza pornografia virtual com muita frequência e possui alguns desses sintomas, talvez seja hora de parar.

 

Nem tudo está perdido

É possível se livrar do vício em pornografia restabelecendo a sensibilidade do seu circuito da recompensa. É como se você reinicializasse seu cérebro. Calma, ninguém vai te colocar em coma nem abrir seu crânio para fazer experimentos bizarros. O cérebro viciado precisa “descansar”, tirar uma folga de todo o estímulo a que foi exposto. De acordo com as informações disponíveis no site YourBrainOnPorn, o processo costuma ser mais rápido quando se elimina a masturbação temporariamente (Ainda bem! Já pensou se fosse pra sempre? Aí não dá…).

Quanto à pornografia em si, o melhor é eliminá-la por completo, tal qual um alcoólatra recuperado deve evitar ingerir álcool, caso contrário corre o risco de se tornar escravo do vício novamente. Isso acontece porque o cérebro sofre mudanças muito profundas, de modo que o barulho de copos em um restaurante pode disparar o desejo de beber. No caso de viciados em pornografia, estar só em casa ou ver imagens sensuais são os gatilhos para uma recaída.

Durante o processo de reequilíbrio cerebral, é importante ocupar-se com atividades que costumavam lhe dar prazer, como por exemplo desenhar, tocar um instrumento musical – e se você nunca fez nada disso, este é o momento para experimentar novas experiências. Estudar, aprender coisas novas, fazer planos para o futuro, estabelecer objetivos e buscar realizá-los, tudo isso faz parte do processo de recuperação de pessoas viciadas em pornografia virtual. É difícil, mas não é impossível. Não existe garantia de que o indivíduo algum dia poderá voltar a utilizar pornografia como uma forma de entretenimento, mas com certeza vale a pena deixar isso de lado e aproveitar outras coisas que o mundo tem a nos oferecer.

Bem, é isso! Se você gostou e quer saber mais sobre o assunto, abaixo estão alguns links com mais informações, incluindo fontes utilizadas para a criação desta postagem. Comentários, críticas (construtivas) e elogios são sempre bem vindos!

 

Referências:

Site YourBrainOnPorn, de Gary Wilson (em inglês) – http://yourbrainonporn.com/

Palestra TEDxGlasgow “The great porn experiment”, com Gary Willson (legendas em português) – https://www.youtube.com/watch?v=wSF82AwSDiU

Palestra TEDxJaffa “Why I stopped watching porn”, com Ran Gavrieli (em inglês) – https://www.youtube.com/watch?v=gRJ_QfP2mhU

Estudo alemão “Brain Structure and Functional Connectivity Associated With Pornography Consumption – The Brain on Porn”, por Simone Kühn, PhD; Jürgen Gallinat, PhD (também publicado na revista JAMA Psychiatry – http://diyhpl.us/~bryan/papers2/paperbot/Brain%20Structure%20and%20Functional%20Connectivity%20Associated%20With%20Pornography%20Consumption:%20The%20Brain%20on%20Porn.pdf

National Institute on Drug Abuse – Publicações – http://www.drugabuse.gov/publications/drugfacts/understanding-drug-abuse-addiction

Artigo “Individual Differences in Prefrontal Cortex Function and the Transition from Drug use to Drug dependence”, de Olivier George e George F. Koob – National Institutes of Health – http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2955797/

 

*Texto escrito pelos alunos dos projetos de extensão vinculados ao Bacharelado em Neurociência da UFABC

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