O segredo dos lutadores de MMA para suportar a dor

Por Attalya Felix

Tenho certeza de que você já se perguntou como lutadores de MMA suportam tanta dor dos traumas que sofrem dentro dos octógonos. Na edição 190 do UFC, a lutadora Cláudia Gadelha fraturou um dedo da mão direita no primeiro round ao quebrar o nariz de sua desafiante Jessica Aguilar. Todos nós sabemos como uma pancadinha no nariz dói, e alguns infelizmente já experimentaram as aflições de ter um dedo quebrado, ou nem tanto, luxado apenas. Imagina então continuar a lutar até o fim do último round com o nariz espirrando sangue ou dando socos com um dedo quebrado desde o round inicial. Como elas suportam tanta dor?

MMA

Não há uma ciência exata por trás da analgesia que esses atletas experimentam, mas há diversos estudos que tentam esclarecer um pouco dos mecanismos que ocorrem no sistema nervoso do atleta para que ele possa ignorar a dor. Vamos começar por uma teoria interessante que pode explicar como a faixa apertada por baixo das luvas justas de Cláudia poderiam ajudar a enganar um pouco da dor sentida depois que ela quebrou o dedo. A Teoria do Portão da Dor surgiu em 1965 através dos estudos de Pat Wall e Ron Melzack, essa teoria ajuda a entender porque apertar seu dedo depois de prendê-lo na porta “engana” a dor.

Ao quebrar o dedo, o corpo de nossa campeã começa a responder à lesão com um processo inflamatório Picture1naquela região, essa inflamação sensibiliza o tecido o qual ao menor toque deveria gerar uma dor imensa! Temos minúsculas terminações nervosas por todo o corpo, elas captam informações sobre temperatura, dor, tato e sobem pela medula espinhal através de impulsos elétricos informando o nosso cérebro sobre modificações causadas por fatores externos na nossa superfície corporal. Mas não, os lutadores não nasceram predestinados a sofrerem menos dor. É verdade que cada pessoa possui uma tolerância diferente à dor. Alguns choram ao fazer uma tatuagem, outros sentem cócegas. O que dita então quanta dor você sente ou tolera?

A Teoria do Portão tem uma boa explicação para isso. Como o nome sugere, existe uma camada de células na nossa medula espinhal chamada substância gelatinosa que funciona como um portão, ele se fecha para um tapinha nas costas, mas se abre para um dedo quebrado, fazendo o estímulo subir até o cérebro, gerando a experiência que você chama de dor. Os estímulos que provocam a dor são chamados de nociceptivos, só que para percebermos a dor estes estímulos têm que passar pelo portão da dor e chegar ao cérebro.

As terminações nervosas são extremidades de neurônios, as células que formam nosso sistema nervoso (inclusive os nervos), elas são bastante sensíveis a qualquer mudança física ambiente que entre em contato com a sua pele, estão distribuídas pelo corpo todo e convergem para a medula espinhal formando longas fibras nervosas. Podemos dizer que dois tipos de fibras agem nesse portão da dor na substância gelatinosa. As primeiras são as fibras finas, elas transmitem a informação de que há um dedo quebrado, algo nocivo acontecendo, e elas são um pouco lentas se comparadas às fibras grossas. Cobertas por mielina, um isolante natural que faz a informação elétrica dos neurônios possuir uma condução “saltatória” (mais rápida), as fibras grossas recebem informações de estimulações táteis, como aquela pressão que você sente ao receber uma massagem.

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Fonte: How Stuff Works

Essas fibras grossas, diminuem a ação das fibras finas ao chegarem no portão da dor, fazendo com que a intensidade dela diminua, ao mesmo tempo as fibras grossas possuem um feixe que se conecta direto ao seu cérebro. Elas não precisam necessariamente passar pelo portão e serem julgadas se são fortes o suficiente para gerar um alarde lá em cima ou não. Afinal, você deve sentir pequenas pressões, mesmo um toque extremamente leve em sua mão. Como já havia citado, a mielina – um tipo de lipídeo que faz o impulso elétrico percorrer o fio de maneira saltatória -, faz estes estímulos chegarem de maneira muito rápida ao encéfalo, avisando-nos que há algo fazendo pressão em algum ponto do nosso corpo. A pressão da luva apertada da lutadora, manda essas mensagens ao seu sistema nervoso central, o que ajuda a enganar a dor que ela deveria estar percebendo.

Mas se você já quebrou um osso, você sabe muito bem que não adianta só apertar pra dor passar. A não ser que você tenha-o quebrado na final de uma disputa de algum campeonato, ou fugindo de alguma coisa que tenha ameaçado seriamente sua vida. Outra contribuição para esse estado de analgesia experimentada pela nossa atleta é a descarga incrível de hormônios na corrente sanguínea que seu corpo gera na hora da luta. Imagine-se um lutador antes de entrar no octógono, o momento para o qual tem treinado por meses a fio, ao identificar a carga emocional que aquela situação exige, nosso sistema nervoso entra em um estado chamado de luta-ou-fuga, estimulando a produção de noradrenalina no sistema nervoso simpático, conhecida como um potente analgésico, os altos níveis de noradrenalina suprimirão a dor. Com o constante estresse gerado, o hipotálamo, estrutura do nosso encéfalo que comanda respostas instintivas, envia um hormônio liberador de cortocotrofina (CRH) para a hipófise estimulando a liberação do hormônio adrenocorticotrófico, que chegando ao córtex de sua glândula suprarrenal estimula a produção de cortisol, o hormônio do stress, que também funcionará como um analgésico e anti-inflamatório.

Uma vez que a agitação da luta tenha passado e a euforia de derrotar seu oponente tenha se esvaído, a dor certamente será percebida pelo seu cérebro. Mas existe um truque ainda para enganar um pouco mais a sua dor. A imersão no gelo. Da mesma forma que a pressão ajuda a contrapor o sinal que passa pelo portão da dor lá na medula, a mudança de temperatura também pode ajudar. E isso não acontece com um estímulo térmico qualquer, tem que ser com temperaturas baixas, pois assim os nervos periféricos conduzem a informação de forma mais lenta, e ainda mais, esse efeito acontece especialmente em fibras desmielinizadas, como as fibras finas que conduzem a dor, enquanto as fibras rápidas mielinizadas  ficam livres para alterar sua perceção. Além de tudo parece que o contato com baixas temperaturas libera mais endorfina, substância que age também como um anestésico e proporciona uma sensação de prazer. E claro, pra finalizar, uma forcinha de mais alguns medicamentos analgésicos durante um tempinho pra dar uma acelerada no processo de recuperação e começar a se preparar para a próxima luta!

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