Category Archives: Pense Brain!

Video games podem ajudar a neurociência a conhecer melhor o cérebro

Por Renan Henrique Gomes Damazio Assunção

O entendimento completo de todas as funções cerebrais é ainda um grande mistério que tira o sono de diversos cientistas ao redor do mundo. Neurocientistas do mundo todo trabalham em busca de respostas que possam explicar por completo nosso comportamento, sono, sonhos e diversos outros temas ligados aos mistérios do cérebro.

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As linhas de pesquisa e as descobertas da neurociência na última década vêm crescendo em nível acelerado, e uma destas pesquisas pode trazer grandes avanços para os pesquisadores desta ciência, principalmente aqueles que estudam fenômenos nos quais a replicação por meio de modelos ou em laboratório é restrita, como traumas ou violência.

Pesquisadores do Departamento de Psiquiatria e Psicoterapia da RWTH Aachen University em Aachen, Alemanha e do Departamento de Comunicação da Michigan State University no Estado do Michigan, Estados Unidos, divulgaram um estudo das relações de comportamentos cerebrais durante jogos de violência através image1de ressonância magnética que mostraram uma relação entre o uso de violência em vídeo games e áreas no cérebro ligadas a violência na vida real.

Os pesquisadores gravaram 13 jogadores homens da Alemanha que jogavam no mínimo 5 horas por semana, com idades entre 18 e 26 anos, enquanto jogavam jogos violentos de FPS (First-person-shooter ou jogos de tiro em primeira pessoa) durante 16 minutos cada, por meio de um procedimento de ressonância magnética cerebral chamado de fMRI (functional magnetic resonance imaging ou ressonância magnética funcional). Através da análise do vídeo e áudio gravados enquanto os voluntários jogavam, feita por dois estudantes de graduação da Annenberg School for Communication, University of Southern California e um supervisor (Rene Weber), as imagens de ressonância foram separadas em 5 fases: A, passivo ou morto; B, preparação/busca; C, Perigo potencial; D, Sob ataque; E, combate ativo .Segundo os pesquisadores a análise dos resultados obtidos mostrou que “a ativação do cingulado dorsal e a desativação do cingulado anterior e da amídala cerebral caracterizaram o padrão médio-frontal relacionado à violência virtual”. Estas mesmas áreas também estão ligadas ao comportamento violento em seres humanos.

Este estudo traz a discussão do uso de ambientes virtuais para o estudo da neurociência de forma a não exporimage2 os voluntários a nenhum tipo de risco. Segundo os pesquisadores Klaus Mathiak e Rene Weber, no artigo “Toward Brain Correlates of Natural Behavior: fMRI during Violent Video Games” divulgado no journal Human Brain Mapping em 2006, “ambientes virtuais podem ser usados para estudar processos neurais envolvendo um comportamento semi-naturalista”.

Embora este tenha sido o primeiro estudo a relacionar comportamentos do tipo representados através da utilização de vídeo games para atividade do cérebro específica, este estudo abre portas em diversas áreas da neurociência.

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Referências

Mathiak, Klaus; Weber, René, Toward brain correlates of natural behavior: fMRI during violent video games, Human Brain Mapping 27:948-956(2006)

ARCURI, Silvia M; MCGUIRE, Philip K. Ressonância magnética funcional e sua contribuição para o estudo da cognição em esquizofrenia. Rev. Bras. Psiquiatr.,  São Paulo, v. 23, supl. 1, p. 38-41, Maio de 2001. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000500012&lng=en&nrm=iso>. Acessado 27/Julho/2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462001000500012.

https://en.wikipedia.org/wiki/Functional_magnetic_resonance_imaging. Acessado 27/Julho/2015

https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%ADgdala_cerebelosa. Acessado 27/Julho/2015

Por que o LSD causa alucinações?

Por Cristiane dos Santos Costa - Aluna de graduação do Bacharelado em Ciência e Tecnologia na UFABC

Todo mundo já ouviu falar do LSD. Quem já experimentou essa droga certamente possui relatos bem intrigantes sobre “viagens” que incluem visões bizarras e sensações únicas, como sinestesia (sentir o cheiro de sons, ou o gosto de cores, coisas desse tipo).  Há quem diga que a substância expande a consciência, aumenta a criatividade e leva a experiências surreais. Isso já deixa claro que o efeito do LSD ocorre no cérebro, mas por que e como ele causa alucinações?

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Afinal, o que é LSD e quais são seus efeitos?

Dietilamida do Ácido Lisérgico – LSD, também conhecido como ácido ou doce, é uma droga alucinógena sintetizada pela primeira vez em 1938, pelo químico suíço Albert Hofmann¹, a partir de um fungo do centeio chamado Claviceps purpurea². Foi desenvolvido originalmente como um estimulante respiratório e circulatório¹. Trata-se de um líquido transparente sem cheiro e sem sabor que pode ser absorvido pela pele e mucosas em apenas 30 minutos!¹,³ Costuma ser ingerido por meio de fitas de papel que contêm a droga e são colocadas debaixo da língua¹. Basta uma pequena dose de 25 microgramas da substância para experimentar seus efeitos durante um período de até 12 horas!³ Tais efeitos incluem1,3,4,6:

  • Pupilas dilatadas e aumento da temperatura corporal;
  • Taquicardia, aumento da pressão arterial e suor excessivo;
  • Alterações de pensamentos, emoções e percepções;
  • Alterações nos sentidos (como distorção visual do espaço);
  • Impressão de que o tempo passa mais lentamente;
  • Desconexão da consciência do “eu”;
  • Paranoia, confusão, medo sem motivo aparente;
  • Ansiedade e comportamento psicótico (em caso de doses altas).

Os primeiros itens da lista são efeitos físiológicos; já os intermediários costumam ocorrer durante a chamada “good trip” (viagem boa) e os últimos surgem durante uma “bad trip” (viagem ruim)¹. Tudo depende do ambiente onde a pessoa se encontra, de como está se sentindo no momento em que ingere a droga, e claro, da dose.

A ação do LSD no organismo está relacionada aos receptores de serotonina. Para entender como a mágica acontece, é necessário conhecer um pouco mais sobre o funcionamento do cérebro.

Neurônios, sinapses químicas, neurotransmissores e receptores

De maneira bem resumida, a coisa é mais ou menos assim: os neurônios são tipos de células que compõem o cérebro; as sinapses químicas são o principal meio de comunicação entre dois neurônios, sendo a fenda sináptica o pequeno espaço entre eles; neurotransmissores são substâncias químicas que um neurônio “envia” para o outro e receptores são proteínas presentes na membrana do neurônio às quais os neurotransmissores se ligam5. Essa comunicação acontece em apenas um sentido, de modo que existe sempre um neurônio pré-sináptico (que libera os neurotransmissores) e um outro neurônio pós-sináptico (que interage com os neurotransmissores).5

Esquema ilustrando uma sinapse química
Esquema ilustrando uma sinapse química

Para entender melhor como isso tudo funciona, imagine que os neurônios são cidades, a fenda sináptica é o rio que separa essas cidades, os neurotransmissores são pessoas que viajam da cidade A (neurônio pré-sináptico) até a cidade B (neurônio pós-sináptico) e que os receptores são funcionários do correio da cidade B que recebem as mensagens da cidade A. Então as pessoas saem de A, atravessam o rio até B e, chegando lá, entregam suas respectivas mensagens aos funcionários do correio. Assim ocorre a comunicação entre as duas cidades.

Para saber mais sobre esse assunto, recomendo a leitura da postagem O que é o neurônio?, disponível aqui no Neuroblog.

Agora sim: o LSD no cérebro

imagem2Cada neurotransmissor possui receptores específicos.5 A serotonina é um neurotransmissor que faz, por exemplo, a gente se sentir feliz, e um dos seus principais receptores é chamado receptor 2A1,4. Foi dito anteriormente que as moléculas do LSD se ligam aos receptores da serotonina, mas por que isso torna essa substância tão potente em seres humanos, a ponto de pequenas doses ocasionarem efeitos intensos?

Bem, não se sabe ao certo qual é o mecanismo de ação do LSD no cérebro¹,4,6. Mas não pense que você leu esse texto até aqui em vão. Pesquisadores do Reino Unido utilizaram imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para estudar a ação de alucinógenos em usuários e descobriam que as regiões do cérebro que restringem a consciência são “desligadas”, permitindo que os pensamentos fluam livremente.¹

David E. Nichols, PhD, explica durante sua palestra4 “Neurociência do LSD” que, ao ligar-se à serotonina, o receptor 2A muda de forma devido a interações químicas entre a molécula de serotonina e a proteína que compõe o receptor. Por outro lado, quando a molécula de LSD se liga a esse mesmo receptor, ele também muda, mas passa a ter um formato diferente de quando se liga à serotonina. Nichols também diz que os receptores 2A estão presentes de maneira muito expressiva em todas as estruturas do cérebro envolvidas no processamento dos sentidos, percepção e consciência – por isso eles são tão importantes para os efeitos de drogas psicodélicas.

Portanto, é de se esperar que o LSD seja uma droga alucinógena, já que possui grande afinidade com receptores presentes em áreas responsáveis pela integração dos sentidos, de modo que a percepção de quem ingere a droga é profundamente alterada.

LSD faz mal?

Pode causar intoxicação se ingerida em grandes quantidades, porém acredita-se que não cause dependência4 e relatos de abstinência são muito incertos³, provavelmente por tratar-se de uma droga recreacional. É possível que o usuário de LSD torne seu uso frequente por sentir que a realidade não tem a mesma graça sem a alteração de percepção que a substância causa.

Em linhas gerais, o LSD é uma droga imprevisível, pois seus efeitos variam a cada dose ingerida.6 Como já mencionado anteriormente, o contexto em que se utiliza esse composto pode resultar em uma “bad trip” e revelar-se uma experiência traumatizante.6 Além disso, sendo o LSD  uma droga ilícita, não há como saber o grau de impureza do produto e seu consumo oferece riscos à saúde.

Qual será o gosto dessas cores?

Qual será o gosto dessas cores?

Existem pesquisas na área de medicina e farmacologia para aplicação do LSD como tratamento para algumas enfermidades como depressão e dores de cabeça crônicas. 6

Ainda há muito para se aprender sobre os mecanismos de ação do LSD no cérebro e muitos pesquisadores estão interessados em investigá-los. Trata-se de uma área de estudo muito interessante e com potencial para aplicações importantes. No entanto, ainda há bastante debate sobre a possibilidade de uso desta substância no Brasil, tanto pela ilegalidade quanto pelo preconceito e tabu que permeia o tema.

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Referências

¹ OLSON, Samantha. This Is Your Brain On Drugs: The Truth About Where LSD Trips Take Your Mind And Body. MEDICAL DAILY. Drugs. Junho 2014. Disponível em: <http://www.medicaldaily.com/your-brain-drugs-truth-about-where-lsd-trips-take-your-mind-and-body-287852> Acesso em: 27/03/2016.

² LSD. Wikipedia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/LSD> Acesso em: 27/02/2016.

³ DIEHL, Alessandra; CORDEIRO, Daniel Cruz; LARANJEIRA, Ronaldo. Tratamentos farmacológicos para dependência química: Da evidência científica à prática clínica. Artmed, São Paulo 2010, pg 36-37.

4 INTERNATIONAL PSYCHEDELIC SCIENCE. II, 2013, Oakland, California. NICHOLS, D. E. LSD Neuroscience. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LbUGRcuA16E>  Acesso em: 27/03/2016.

5 PURVES, Dale et al. Neurociências. 4ª ed, Artmed.

6 NATIONAL GEOGRAPHIC CHANNEL. Inside LSD. Explorer. Canadá. 45min23s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3aZre1Lib0o> Acesso em: 27/03/2016.

Cinema: um laboratório de cognição humana natural

Por: Fernanda Bueno

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Se você está acostumado a ler artigos científicos sobre cognição humana deve se deparar muito com tarefas altamente controladas, pessoas sentadas e quase imóveis na frente de um computador ou dentro de uma máquina de ressonância magnética, realizando tarefas um tanto tediosas, como ouvir alguns sons ou apertar alguns botões. Elas são extremamente importantes para o entendimento de capacidades e funções cognitivas individuais, sem que haja, ou ao menos minimize, a influência de uma outras. No entanto muito se questiona sobre o quanto vale esses experimentos para a vida real.

Colagem por Fernanda Bueno (Imagens retiradas do Google)

Colagem por Fernanda Bueno (Imagens retiradas do Google)

Um caminho novo tenta aproximar os experimentos com a atividade humana real. Esse é o caminho do neurocinema, uma proposta de usar um estímulo “natural”, o filme, em experimentos sobre cognição e neurociência. É um estímulo natural no sentido de que um filme faz parte da nossa cultura, e por vezes representa uma visão do mundo por um olhar humano. Os mesmos cuidados de experimentos controlados são usados nesses estudos, porém o estímulo é mais próximo ao cotidiano. Exemplos são as pesquisas de Uri Hassan e colegas que, num artigo publicado na revista Projectíons em 2008, resumem alguns desses estudos e de como é possível analisar a sincronia da atividade cerebral entre indivíduos assistindo um mesmo filme. Os autores sugerem que essas descobertas podem ser usadas tanto para o estudo das funções cognitivas como também ajudar aos profissionais do cinema a melhorarem a incrível capacidade de prender a atenção

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dos espectadores. O cinema traz a possibilidades de estudar importantes faculdades cognitivas, como a memória de trabalho, a cronestesia (ou a viagem temporal mental) e viagem emocional mental. Para os supersticiosos, o número sete da sétima arte pode ter algum significado mágico. De fato, há algo além no cinema para estudos em neurociência, se comparada a outras artes. O cinema é capaz de criar um estado dissociativo transitório, como afirma o pesquisador Yadin Dudai numa publicação em 2012, pois envolve estímulos multimodais.

Memória e Cinema

A memória de trabalho é a ponte entre dois tipos de memória, a de curto e longo prazo. Se colocarmos em uma escala de tempo, a memória de curto prazo é aquela que se refere à percepção do agora e da retenção temporária de segundos a minutos de informações ambientais. O segundo tipo de memória está na escala de tempo de meses, anos ou até o fim da vida, isto é, aquilo que guardamos das nossas experiências e aprendizados, seja de forma explícita ou implícita. A memória de trabalho pode ser vista como a integração daquelas, sendo seu componente central executivo o responsável pela atenção, mediação e retenção de memórias para sistema de longo prazo, através do buffer episódico. A memória de trabalho contém outros dois componentes, a alça fonológica e o esboço visuoespacial. Imagine que você precise se lembrar de uma senha de quatro números. Você os repete em voz alta e depois continua repetindo internamente. Esse é o papel da alça fonológica, que guarda e atualiza informações auditivas. Agora você precisa decorar um caminho em um mapa e assim mantém na mente uma imagem e o desenho do caminho. Dessa forma estará usando o esboço visuoespacial.

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E como os filmes se encaixam nesse modelo? Filmes são primariamente e principalmente visuais. Nós somos seres visuais, prestamos atenção e confiamos na nossa visão. Os filmes também contam com um dos fatores que mais chamam nossa atenção, o movimento. Essas características intrínsecas do cinema envolvem nossa memória, principalmente o central executivo e o esboço visuoespacial. Os filmes também contam com sons, músicas e falas. Esses estímulos auditivos ativam a alça fonológica. Interessante que mesmo em filmes mudos, as áreas de linguagem ativadas na escuta de um discurso são também ativadas pela tentativa de decifrar o movimento labial das personagens. O buffer episódico trabalha conectando fatos e consolidando a memória de longo prazo. Se os eventos a serem conectados durarem longos períodos (horas ou dias) a consolidação da memória pode ser interferida por outras causas. O papel do diretor no cinema é selecionar alguns eventos para que estes prendam a atenção do espectador, ajudando a memória de trabalho a formar a história na mente.

A atenção ao filme é influenciada também pela desfamiliarização do espectador com o contexto. Em outras palavras, existem personagens e existe uma relação com a audiência, porém não há interações sociais explícitas entre elas, o que pode causar um maior engajamento do central executivo na atenção. A sugestão é que, se a atenção ao

 filme toma grande parte da função do central executivo, pode haver um estado mental dissociativo transitório leve (aquela sensação de que o mundo se torna diferente depois de sair de uma sessão de cinema ou passar horas assistindo séries). É claro que esses estados de devaneio são subjetivos, ou seja, ocorrem diferentemente para cada um.

Viagens mentais: tempo e emoção

O cinema tem a habilidade de nos fazer viajar. Conseguimos conhecer um personagem, sua história e suas emoções em algumas horas de filme. A cronestesia, ou a viagem temporal mental, é um termo cunhado por Endel Tulving, um professor da Universidade de Toronto, Canadá, que significa a capacidade cognitiva de se ter consciência declarativa de fatos passados e de construir possibilidades futuras mentalmente. É uma capacidade de viajar no tempo pelas experiências de vida, provavelmente consolidada só em humanos. Esta é uma capacidade como a visual, semântica, auditiva, entre outras, porém ainda não apresenta correlatos neurais, sistemas anatômicos que descrevam como isso é possível. Sabe-se que está relacionada com a memória episódica, e deve ser um fator importante para a evolução desse tipo de memória. Os filmes aumentam essa capacidade, pois é uma mistura multimodal de percepção de eventos, direcionando a atenção e trabalhando o buffer episódico.

A emoção define-se como o sentimento subjetivo que acompanha situações do ambiente e pode disparar respostas fisiológicas e comportamentais no indivíduo. A empatia que envolve a personagem ou a situação do filme e a audiência faz com que esses espectadores tenham respostas emocionais. São aquelas “borboletas

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na barriga” ao se ver uma cena romântica ou se assustar com uma cena de terror. Essa capacidade possibilita ao espectador viajar num espectro de emoções, se colocando no lugar de uma outra pessoa.

O cinema é uma arte que faz uso de várias tecnologias e apresenta, do ponto de vista cognitivo, estímulos multimodais, fato difícil de se encontrar em outras artes, como a pintura, que é essencialmente visual. Assistir a filmes é uma atividade prazerosa e que prende a atenção. Lógico que depende do estilo e experiência subjetiva de cada espectador para gostar ou não de um determinado filme. No entanto é clara a participação do cinema na maioria das culturas, de forma global, e esta pode ser combinada com estudos da cognição humana para se obter um caminho comum entre a arte e a mente.

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Referências:

Tulving, E. (2002) Chronesthesia: Conscious Awareness of Subjective Time. In: Stuss, D.T., Knight, R.T. Principles of Frontal Lobe Function. Oxford University Press; 1ªed, 2002

Dudai Y (2012) The cinema-cognition dialogue: a match made in brain. Front. Hum. Neurosci. 6:248. doi:10.3389/fnhum.2012.00248

Hasson, U., Landsman, O., Knappmeyer, B., Vallines, I., Rubin, N., and Heeger, D. J. (2008). Neurocinematics: the neuroscience of film. Projections 2, 1–26.

Tomada de decisão: você é bom nisso?

por Kayo Ridolfi Carvalho

Você acredita que toma boas decisões? Conheça alguns efeitos que demonstram como temos uma capacidade limitada para tomar boas decisões em diversas circunstâncias.

 Vamos começar com duas perguntas.

  • A porcentagem de nações africanas entre membros da ONU é maior ou menor do que 65?
  • Qual sua melhor estimativa sobre a porcentagem de nações africanas na ONU?

Provavelmente, para a primeira pergunta você respondeu que a porcentagem é menor que 65 e para a segunda pergunta sua resposta variou entre 40 e 65. Este é o efeito de ancoragem, descrito por Amos Tversky e Daniel Kahneman em seus estudos iniciais sobre julgamentos diante de incertezas.

Os pesquisadores manipularam uma “roda da fortuna”, que ao ser girada parava sempre em 10 ou 65. O efeito que eles observaram foi que o número que saia na roda, que não tinha nada a ver com a questão do número de nações africanas membros da ONU, servia como base para a resposta dos participantes. Os participantes que tiravam o número 10 variavam suas estimativas em média como 25%, enquanto os que tiravam 65, variavam em média como 45%.

Em boa parte de suas pesquisas, Kahneman e Tversky, buscaram entender melhor como tomamos decisões e a partir disso descreveram diversos efeitos, baseado em nosso funcionamento cognitivo, que influenciam e nos tornam ruins em atividades de estimativa, principalmente estimativas estatísticas. E mais, em alguns estudos, mostraram ainda que até mesmo pesquisadores, ligados à área da estatística apresentam as mesmas dificuldades.

Image courtesy of Stuart Miles at FreeDigitalPhotos.net

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Buscando entender mais sobre como esses processos se davam os dois pesquisadores não concordavam completamente. Tversky acreditava que o efeito de ancoragem se dava por meio de um ajuste ineficiente que fazemos diante de um problema de julgamento sobre incertezas, enquanto Kahneman defendia que o efeito acontecia por meio da sugestão, ou como foi chamado mais tarde em um conceito mais amplo, por meio do priming que nada mais é do que uma pré ativação que nos inclina a tomar uma decisão direcionada.

Pesquisas posteriores mostraram que os dois estavam certos. O efeito de ancoragem se aplica em vários casos e pode acontecer das duas maneiras descritas.

Mas vamos conhecer mais um estudo, dos psicólogos alemães Thomas Mussweiler e Fritz Strack. Os pesquisadores perguntavam sobre a temperatura média anual na Alemanha. Para um grupo, ancoravam em 20 e para outro em 5. Após esta primeira pergunta, apresentavam grupos de palavras aos participantes e então pediam que as identificassem. Descobriram que, para o grupo o qual foi apresentada a âncora de 20, era mais fácil reconhecer palavras como calor, verão e praia por exemplo. E para o grupo o qual se apresentou a âncora de 5, era mais fácil reconhecer palavras como geada e esqui. Isso mostrou mais uma vez como a pré ativação inclinou as respostas dos participantes, funcionando como uma âncora, que ativou ideias de memória coerentes com os números apresentados.

Estes estudos mostram como somos passíveis de influência quando temos uma decisão a tomar diante de incertezas. E isso é muito importante também quando nos vemos como consumidores. Conhecendo estes processos, podemos nos proteger, e em algumas situações tomar melhores decisões. Os marqueteiros conhecem muito
bem estes processos e utilizam isso para aumentar vendas e explorar o modo como tomamos decisões ruins.

Um último exemplo para refletir. Em um supermercado na cidade de Sioux City, Iowa, havia uma promoção de 10% para a sopa Campbell’s. Em alguns dias havia uma placa limitando o número de produtos que um cliente poderia levar por compra em 12 unidades. Em outro período a placa dizia que não havia limite por cliente. O resultado? Quando a compra era limitada os clientes compraram em média 7 unidades do produto, aproximadamente o dobro do que compravam quando não havia limitação.

Aqui descobrimos que tomamos decisões ruins, mas também que é importante ficar atento para identificar o que pode estar nos influenciando num momento de dúvida, como na compra de um produto.

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Para saber mais (artigos base, em inglês):

 Amos Tversky e Daniel Kahneman, “Belief in the Law of Small Numbers” , Psychological Bulletin 76 (1971): 105-10

Amos Tversky; Daniel Kahneman, “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”, Science, New Series, Vol. 185, No. 4157. (Sep. 27, 1974), pp. 1124-1131.

Brian Wansinck, Robert J. Kent e Stephen J. Hoch, “An Anchoring and Adjustment Model of Purchase Quantity Decisions”, Journal of Marketing Research 35 (1998): 71-81

 

O cérebro bilíngue – Conectar-se é o que importa!

Por Elaine Torresi

Falar mais de uma língua além de aumentar nossas oportunidades no mercado de trabalho, facilitar nosso acesso à informação e abrir nossos horizontes culturais e interpessoais, parece trazer também benefícios cognitivos. Mas o que é cognição? A cognição é um conjunto de processos mentais que envolvem a memória, a atenção, o pensamento, a linguagem, a imaginação, etc..

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Dentro dessa gama de aspectos, vários estudos vem destacando os efeitos do bilinguismo sobre a capacidade de controlar distrações durante a  execução de determinada tarefa, manejar diferentes atividades ao mesmo tempo e  adaptar-se mais rapidamente a novas situações, tendo apontado certa vantagem dos bilíngues em relação aos monolíngues. Além disso, pesquisadores observaram que esses efeitos formam uma espécie de “reserva cognitiva” em idosos bilíngues, que tem preservadas por mais tempo suas funções mentais, apresentando inclusive, um atraso de 4 a 5 anos no estabelecimento de demências e Alzheimer em relação aos monolíngues de mesma idade.

Mas o que acontece com o cérebro para que esses efeitos apareçam? Luk e colegas (2011)¹ foram os primeiros a relacionar esses achados comportamentais com o aumento do volume e integridade da matéria branca (constituinte das fibras que levam informações de uma região à outra no cérebro). Outras pesquisas confirmaram esses achados e foram ainda mais fundo mostrando que a exposição à uma segunda língua, através de um curso intensivo por um período curto de tempo (4 meses) também provocava aumento na matéria branca; no entanto, esse aumento não era mantido 1 ano após a interrupção do curso.²

Até muito recentemente, a grande  maioria dos estudos que relacionam bilinguismo e matéria branca utilizavam indivíduos idosos que aprenderam a segunda língua (L2) antes dos 10 anos e que vinham praticando as duas línguas ao longo da vida; assim, não era possível saber se esse aumento de conectividade devia-se ao aprendizado ter acontecido na infância ou ao fato de simplesmente de estarem praticando duas línguas.

Image courtesy of digitalart at FreeDigitalPhotos.net

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Para responder a essa questão, pesquisadores³ do Reino Unido analisaram imagens feitas com um aparelho de ressonância magnética (MRI) em adultos que aprenderam a L2 tardiamente (depois dos 10 anos de idade) e que usavam ambas as línguas diariamente, ficando atentos para que elas não estivessem fazendo nenhum tipo de treinamento linguístico na época do teste. Eles descobriram que os bilíngues, mesmo tendo aprendido a L2 tardiamente, apresentavam maior densidade de matéria branca em áreas relacionadas à linguagem, ao controle cognitivo e à interligação entre os dois lados do cérebro.

Os cientistas mostraram assim que a preservação das fibras condutoras está fortemente relacionada ao uso constante das duas línguas e não necessariamente à época de aquisição da L2.

Esses resultados reforçam a ideia de que nunca é tarde para aprender uma segunda língua e continuar praticando-a de modo a colher os benefícios biológicos, cognitivos e sociais que essa experiência pode nos trazer. Por outro lado, impõem uma grande interrogação: “Será que o brasileiro que aprende uma segunda língua, e que a utiliza por toda a vida de forma esporádica se beneficia biológica e cognitivamente disso? Fiquemos atentos a novos estudos que possam nos responder essa questão.

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Para saber mais (artigos científicos em inglês):

  1. Luk G, Bialystok E, Craik FIM, Grady CL (2011) Lifelong bilingualism maintains white matter integrity in older adults. J Neurosci 31(46):16808–16813. 
  2. Hosoda C, Tanaka K, Nariai T, Honda M, Hanakawa T (2013) Dynamic neural network reorganization associated with second language vocabulary acquisition: A multi- modal imaging study. J Neurosci 33(34):13663–13672.
  3.  Pliatsikasa C, Moschopoulouc E, Saddyb J (2015) The effects of bilingualism on the white matter structure of the brain. PNAS 12(5):1334-1337.

Por que bocejamos?

Por Barbara Barros yawning-1437943-639x424

Durante muito tempo discutiu- se a verdadeira função do bocejo, sendo apresentados vários estudos que tentavam explicar porque bocejamos. Dentre as hipóteses levantadas, o bocejo serviria para: indicar sono, oxigenar o cérebro, demostrar socialmente que você está entediado ou para intimidar as pessoas pois, você mostra os dentes no ato de bocejar. Porém, um estudo recente realizado na Universidade de Albany e publicada na Evolutionary Psychology afirma que o bocejo tem uma função termorreguladora. A pesquisa revela que quando estamos com sono a temperatura corpórea aumenta ativando assim os mecanismos termorregulatórios. Um desses mecânicos seria o bocejo que aumenta o fluxo sanguíneo no sistema nervoso central e promove resfriamento. Como já sabemos o cérebro consome um terço das calorias ingeridas, portanto, precisa de muito oxigênio para realizar as funções metabólicas. O sangue que também leva o oxigênio ajuda a dissipar o calor produzido nos processos metabólicos. Andrew Gallup e Omar Eldakar demonstraram que a frequência de bocejos variava de uma forma sazonal. Eles observaram que os participantes bocejavam mais durante o período que a temperatura ambiente é igual ou superior á temperatura corpórea. Para demonstrar sua hipótese os pesquisadores instruíram os participantes a respirar pela boca (inspirando e expirando pela boca), resultando numa incidência de bocejo contagioso de cerca de 48% em resposta a ver vídeos de pessoas bocejando. Quando instruídos a respirar pelo nariz (inspirar e expirar pelo nariz), nenhum dos participantes exibiu o bocejo “contagioso”. Em um segundo experimento, a aplicação de bolsas térmicas na testa também influenciou a incidência de bocejo contagioso. Quando os participantes realizaram o mesmo experimento com uma bolsa quente (46° C) ou uma bolsa à temperatura ambiente na testa, enquanto observa as pessoas bocejarem, o bocejo contagioso ocorreu 41% das vezes. Quando os participantes realizaram uma compressa fria (4° C) sobre a testa, o bocejo contagioso caiu para 9%. Estes resultados sugerem que o bocejo tem um componente de adaptação funcional que não é apenas o derivado de seleção para as outras formas de comportamento. yawning-cup-1486176-640x480No entanto, os resultados dessa pesquisa não desacreditam a velha crença de que o bocejo está ligado ao sono, pois, como demostra o estudo de Seppo Saarela e Russel J. Reiter, a melatonina – homônimo que induz o sono –, desempenha também um papel fundamental na termorregulação e ajuste sazonal de animais. Ela parece enviar sinais à área que se ajusta a temperatura corpórea e metabólica do corpo. Esta função da melatonina e [nova] do bocejo revelam uma ligação entre esses fenômenos e mais uma pista para desvendar os mistérios do corpo.

Dormir para aprender – a função do sono na aprendizagem

por Katarina Duarte Fernandes

“Neurocientistas anunciam novo método para aprender dormindo, mas sem fones de ouvido ou gravações cansativas”, essa já foi uma das manchetes principais de um jornal televisivo ano passado, e já se repetiu em outros lugares.

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É impressionante como a promessa de se aprender algo enquanto se dorme continua tão atraente quanto na década de 80 quando houve uma explosão de métodos que prometiam aprendizados dos mais diversos tipos, até mesmo de novos idiomas; durante as horas de sono, fitas com gravações para serem ouvidas quando se ia dormir se tornaram incrivelmente populares. Em meio a rotinas cada vez mais corridas e que exigem de praticamente todos, a habilidade de darem conta de múltiplas tarefas durante o dia, aliadas a uma avalanche de estímulos que nos assola a cada momento na vida moderna eis que surge novamente esse anseio por aproveitar essas horas que podem até parecer perca de tempo.

Após os métodos das gravações cansativas a que a reportagem dessa semana fez alusão terem sido desacreditados, muitos voltaram a considerar as horas do dia gastas na cama como algo de última necessidade em meio a tantas coisas por fazer, mesmo que há muito se saiba que longe de o nosso organismo e muito menos nosso cérebro estarem como que desligados nesse período, há uma intensa atividade, e que é sim essencial para a saúde ter uma boa e revigorante noite de sono.

No entanto não é raro estudantes, na busca por estudar tudo que deveriam ter aprendido durante todo o período de aulas, passam a época de provas se privando constantemente de sono, chegando muitas vezes a extremos e acreditando que seu desempenho está muito bom assim, e que depois dormirão para “recuperar” o sono perdido.  Esse discurso é o mais ouvido entre estudantes de diversos níveis acadêmicos e idades, e segundo os resultados de um estudo publicado em 2012 da Universidade de Buscharest na Romênia, jovens estudantes em privação de sono de 24 horas podem até ter, de fato, um elevado desempenho em certas atividades referentes a memória de curto prazo e atenção, pois o organismo em privação fica em alerta máximo durante um tempo como um mecanismo de defesa. Mas o mesmo estudo cita estudos anteriores os quais mostram que depois há uma queda nesse desempenho, afinal esse nível de alerta que exige um imenso gasto energético somado à privação de sono, que impede a recuperação do sistema, não é de se estranhar que o organismo comece a entrar em colapso em alguma hora. Até mesmo o Exame-de-Polissonografiafuncionamento dos neurônios e de diversas partes do cérebro se comprometem com a privação, dando destaque para o comprometimento das funções corticais (que são as de nível superior), como atividades que envolvem raciocínio, decisões, pensar de forma lógica, o uso da linguagem e de símbolos, entre outras.

Sabemos também, devido uma longa linha de pesquisas que começou na década de 1990 e ganhou muita força nos últimos 20 anos, que é durante os diferentes estágios do sono que as memórias do dia de fato se consolidam se tornando mais estáveis. E ainda mais, um estudo dos americanos Robert Stickgold e LaTanya James e do alemão J. Allan Hobson em 2000 verificou que voluntários que foram privados do sono na noite seguinte ao aprendizado, mesmo que tivessem dormido um dia depois para “compensar” não melhoravam seu desempenho na tarefa treinada durante o dia como acontecia após uma noite de sono logo após o dia do treino. E até tentaram determinar em qual estágio do sono essa consolidação ocorria. O resultado é que ambos os estágios são importantes, pois os que puderam dormir uma noite inteira tinham um desempenho muito melhor do que os que apenas tiveram a primeira ou a segunda metade da noite de sono, embora os da primeira metade, que costuma ter maior ocorrência dos estágios de sono mais profundo, tivessem um desempenho melhor do que os que dormiam apenas a segunda metade que tem uma maior prevalência do sono REM (Rapid Eyes Movement), no qual ocorrem os sonhos. Esses achados podem indicar que o processo de consolidação é algo contínuo durante a noite, e que dormir todas as horas necessárias é essencial para tanto.

E vendo a notícia completa a que a manchete acima se referia, falava-se de mais um estudo dessa linha, então diferente de mais uma promessa mirabolante de um método para se aprender dormindo, Estaria mais em dormir para aprender o que seu cérebro treinou quando se estava acordado, então a novidade seria que agora estão querendo usar exames de imagem para ver o cérebro continuar sua adaptação. A adaptação é inicialmente vista durante a sessão de treino com um jogo de interface cérebro máquina, um jogo de vídeo-game que, em vez de se usar um controle remoto físico, se usa ondas cerebrais captadas por eletrodos para realizar as tarefas do jogo, e o cérebro parece continuar se adaptando ã essa tarefa treinada durante o sono.

"Provas finais na semana que vem... Vou tirar uma soneca agora, assim não estarei cansando quando decidir estudar."

“Provas finais na semana que vem… Vou tirar uma soneca agora, assim não estarei cansando quando decidir estudar.”

Sendo assim, dormir está longe de ser um desperdício de tempo, e virar noites estudando crendo que depois se pode compensar as noites de sono perdidas não é o método mais eficaz de estudo. Sim, precisamos dormir durante toda uma noite para, de fato, aprendermos e retermos memórias. Isso não apenas de coisas inteiramente novas mas, pela característica mutável de nossas memórias, essa lógica serve também para memórias antigas, coisas que já aprendemos e depois revemos, usamos, que aprimoramos durante o dia. Cada vez que fazemos com que algo venha à tona de nossa memória, podemos modificar, ou reaprender aquela informação com algum novo detalhe, e é após a noite de sono seguinte que tudo isso se reconsolida. O melhor método para se aprender de fato é, portanto, algo que há muito se aconselha, mesmo que muitos não levem tão a sério: é treinar, mas treinar muito durante o dia, ter contato com o que se deseja aprender, e em seguida ter uma boa noite de sono para consolidar o que se aprendeu e poder lembrar não só nas poucas horas seguintes, mas a qualquer momento que seja necessário.

 

Referências:

Jornal com a notícia referente a chamada citada: Jornal da Cultura Primeira edição dia 22/07/2014 https://www.youtube.com/watch?v=D1OF0jNDVE8 (chamada inicial no começo do jornal, reportagem completa dos 22min55 até 24min14.)

Chraif, M. (2012) The influence of sleep deprivation on short term memory and attention to details in young students. Procedia-Social and Behavioral Sciences 33, 1052-1056.  Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877042812002911

Stickgold R, James L & Hobson JA (2000). Visual discrimination learning requires sleep after training. Nature Neuroscience 3, 1237-1238. Disponível em: http://www.nature.com/neuro/journal/v3/n12/full/nn1200_1237.html

>> Outros textos de blogs sobre divulgação científica sobre o assunto, que explicam mais detalhadamente alguns dos estudos citados:

http://blog.educacaoadventista.org.br/superciencia/index.php?op=post&idpost=33

http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/cerebro-nosso-de-cada-dia/mais-duas-boas-razoes-para-dormir

http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/cerebro-nosso-de-cada-dia/enfim-alguma-coisa-que-se-aprende-durante-o-sono

Ressonância Magnética revela atividade cerebral em estado vegetativo. E agora, há esperanças?

por Lucas Rodrigues Silva e Stéfane Ravagnani 

Estado vegetativo é a ausência de consciência de si ou do ambiente e funções autônomas preservadas. O diagnóstico baseia-se na falta de sinais espontâneos em resposta a estímulos externos. No entanto, uma vez que pacientes com distúrbios de consciência muitas vezes apresentam padrões de movimentos fragmentados, ações voluntárias podem passar despercebidas.

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Baseado nesta afirmação, um grupo de pesquisadores [1] criou um protótipo de motor simples que poderiam detectar sinais de comportamento intencional em pacientes que estejam em estado vegetativo com leve a graves danos cerebrais, examinando as respostas neurais a comandos verbais. Vinte e quatro pacientes que tinham diagnóstico de Estado Vegetativo foram recrutados para este estudo. Onze destes pacientes,

Voluntário saudável ouvindo à fala (acima) e paciente em estado vegetativo ao ouvir uma fala (abaixo)

Voluntário saudável ouvindo à fala (acima) e paciente em estado vegetativo ao ouvir uma fala (abaixo)

mostrando potenciais evocados auditivos (teste que avalia se está funcionando perfeitamente as vias auditivas nervosas desde a orelha interna até o cérebro) preservados passaram por ressonância magnética para testar se havia o processamento básico da voz humana. Cinco desses pacientes, que apresentaram atividade relacionada à palavra, foram incluídos em um segundo estudo com ressonância magnética para detectar alterações funcionais no córtex pré-motor conduzidos por instruções para mover a sua esquerda ou a mão direita. Apesar da falta de atividade muscular visível, dois pacientes em cada cinco ativaram a área dorsal do córtex pré-motor contralateral à mão instruída, de acordo com a preparação do movimento. Estes resultados podem refletir um resíduo de intenção de movimento nestes dois pacientes.

A resposta cerebral a estímulos auditivos de fala, já poderia representar algum sinal de consciência, mas estudos com pessoas saudáveis anestesiadas revelaram que isto pode acontecer inconscientemente [3]. Outros estudos anteriores ainda afirmam que a preparação para um movimento ativa, tipicamente, o córtex pré-motor. Esta preparação, acompanhada de movimentação muscular, é considerada resultado de uma atividade consciente.

motor-cortexOs autores do estudo [1] acreditam que a identificação de resultados positivos com ressonância magnética utilizando esta tarefa simples, pode complementar a avaliação clínica, ajudando alcançar um diagnóstico mais preciso em pacientes com distúrbios de consciência.

Para isso, é necessário que a equipe médica tenha um diagnóstico correto e saber qual dos tipos de estado vegetativo foi encontrado. Num relatório sobre o estado vegetativo do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (2005) [2], os autores nomeiam dois tipos: (i) estado vegetativo continuado, quando o quadro persiste pelo menos 4 semanas e (ii) estado vegetativo persistente, quando o paciente permanece adormecido por mais de 3 meses ou 12 meses como consequência de traumatismo craniano. Outra questão abordada no relatório é até onde podemos não medir esforços para prolongar a vida de um ser humano? Como e quando decidir a hora de deixar esta pessoa “descansar em paz”?

Esta é uma temática que causa polêmicas, pois estamos lidando também com a família deste paciente, que possui expectativas, mas ao mesmo tempo já se encontra cansada da situação e preocupada com o sofrimento do próprio parente. Para abordar este tema é necessário estar munido de leis e diretrizes que apoiem ou não cada decisão que pode ser tomada, algo que, em nosso e outros países, precisa ser mais bem estruturado para não haver desentendimentos entre família e equipe médica, além de possibilitar melhores tomadas de decisões. Polêmicas à parte, o resultado desta pesquisa pode contribuir para que a medicina detecte pacientes que ainda tem um potencial de recuperação.

Reação cerebral de pessoa saudável (esq.) e de pessoa em estado vegetativo (dir.)

Reação cerebral de pessoa saudável (esq.) e de pessoa em estado vegetativo (dir.)

Para saber mais:

[1] Bekinschtein, Tristan Andres; Manes, Facundo Francisco; Villarreal, Mirta; Owen, Adrian Mark; Della-Maggiore, Valeria. Functional imaging reveals movement preparatory activity in the vegetative state. Frontier in Human Neuroscience. Janeiro, 2011. – Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21441977

[2] Carneiro, António Vaz; Antunes, João Lobo; Freitas, António Falcão de. Relatório Sobre o Estado Vegetativo Persistente. Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Fevereiro, 2005 – Disponível em: http://www.cnecv.pt/admin/files/data/docs/1273055807_P045_RelatorioEVP.pdf

[3] http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002013000500016&script=sci_arttext

Falsas memórias – O que realmente aconteceu naquele dia?

por Leandro Faria Domiciano

Um período problemático, cheio de abusos e violência por parte de seu pai, um clérigo. Duas ocasiões de gravidez incestuosa interrompidas à força, inclusive com ajuda de sua mãe. Era assim que Beth Rutherford, aos 22 anos no estado do Missouri, narrava sua infância. Quando essas acusações se tornaram públicas, após aconselhamento de um membro da igreja local, o pai de Beth renunciou ao cargo na igreja e passou pela experiência da rejeição pública, o que talvez fosse merecido, se um exame médico na jovem não demonstrasse, mais tarde, que ela ainda era virgem e suas alegações não passavam de fantasias.

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Pioneira no estudo das falsas memórias, a psicóloga cognitiva norte-americana Elizabeth Loftus afirma que mesmo nossas lembranças mais enraizadas, em especial aquelas a respeito de nossa infância, podem nem sempre ser coerentes com a realidade. A sugestão ou indução de informações por pessoas conhecidas, proposital ou não, a revisitação de lembranças antigas e outras práticas a que comumente estamos expostos pode implantar ou modificar dados em nossa memória. Segundo a especialista, essas lembranças sem base na realidade passam a ser mentalmente indistinguíveis de memórias verdadeiras, e a única maneira de confirmá-las ou desmenti-las é através de evidências físicas.

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Cegueira à escolha: justificando escolhas que não fizemos

Por Giulia Ventorim

Caso você ainda não conheça o fenômeno denominado como “cegueira à escolha”, imagine-se na seguinte situação. Enquanto lê esse post, você fica com sede e decide pegar um copo de suco de laranja para beber. Eis que ele, repentinamente, o suco do seu copo se transformara em suco de goiaba. “Essas trocas não acontecem no dia-a-dia”, tudo bem, mas qual imaginaria ser sua reação caso acontecessem? “Ficaria assustado”, “Com certeza perceberia”, você poderia responder. Faz parte do senso comum que, se fazemos uma escolha (beber suco de laranja), notaremos se houve uma troca naquilo que decidimos (ter suco de goiaba no seu copo).MatrixBluePillRedPill

Não só o senso comum: essa teoria costumava ser aceita como essencial para a sobrevivência adaptativa. Uma publicação de 2005 na revista Science por pesquisadores suecos, porém, pode nos fazer aceitar que uma considerável parte das pessoas poderia não perceber a troca. E o mais impressionante: se perguntadas sobre o motivo, ainda justificaria sem problemas o porquê de sua escolha. Mas como isso pode acontecer?

 

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